A doença renal crônica afeta mais de 10 milhões de pessoas no Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), sendo considerada um dos maiores problemas de saúde no país. Além da alta incidência de casos, essa condição ainda representa um impacto econômico significativo, principalmente devido aos gastos com terapias renais substitutivas (TRS).
O tratamento de hemodiálise é o mais comum entre as TRS. Na pesquisa do Censo Brasileiro de Diálise de 2020, realizada pela SBN, o número de pacientes em diálise ultrapassou os 144 mil, sendo que 92,6% estavam em hemodiálise. Para se ter uma ideia, o custo anual desse tratamento para uma única pessoa na saúde suplementar pode chegar a R$70 mil no primeiro ano, como revelou um estudo publicado no Brazilian Journal of Nephrology, em 2017. Desse valor, R$ 7.829,89 correspondem apenas aos medicamentos.
Os custos altos da hemodiálise se devem, entre outros fatores, à sua alta complexidade e ao impacto da doença renal crônica na saúde e qualidade de vida dos pacientes, pois está frequentemente associada a complicações e outras comorbidades, como hipertensão arterial, diabetes, doenças ósseas, desnutrição e problemas cardíacos. A doença renal crônica requer tratamento contínuo e dependente de equipamentos e insumos importados, com preços vinculados ao câmbio, o que faz com que os gastos com o tratamento aumentem.
Outro fator de impacto econômico é a necessidade de uma equipe multidisciplinar para que os pacientes sejam devidamente tratados. No geral, a folha de pagamento dos colaboradores é uma das principais despesas operacionais de uma clínica de diálise, como aponta Cristina Ferreira, gestora das unidades de nefrologia do Hospital Evangélico de Belo Horizonte. Entre os profissionais que atuam na área estão nefrologistas, nutricionistas, cirurgiões vasculares, psicólogos e enfermeiros, além do corpo administrativo para a gestão da instituição. Além disso, os especialistas em nefrologia são altamente treinados e requerem salários mais altos.
A dificuldade em encontrar doadores de órgãos também é um desafio, pois tende a aumentar a demanda por outras terapias renais substitutivas, como a hemodiálise. De acordo com o Dr. Bruno Zawadzki, diretor médico nacional do programa de cuidado Nefrologia D’Or, isso eleva os custos e a complexidade do tratamento. O transplante renal é uma opção mais desejável em termos de qualidade de vida.
Considerar esses aspectos é fundamental ao buscar estratégias eficazes para gerenciar e reduzir os gastos, ao mesmo tempo que permite o acesso dos pacientes à assistência necessária.
Os desafios para a sustentabilidade financeira das clínicas
O crescimento dos custos, o câmbio desfavorável e a falta de insumos são barreiras para a sustentabilidade financeira dos serviços de diálise no Brasil. A Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde) emitiu, em 2022, um comunicado para alertar sobre o desabastecimento de medicamentos e insumos médicos, incluindo o soro fisiológico, essencial para o serviço de hemodiálise. Isso contribui para um aumento considerável dos custos dos procedimentos e para a interrupção dos tratamentos.
Para minimizar o impacto desses fatores, as clínicas de TRS podem negociar com fornecedores para obter preços mais competitivos e adotar tecnologias inovadoras capazes de reduzir os insumos importados. Além disso, a diversificação dos abastecedores pode ser uma estratégia para diminuir a exposição às flutuações cambiais.
Outro desafio é a falta de equilíbrio entre oferta e demanda dos serviços de diálise no país. Embora a diálise seja necessária para muitos pacientes com doença renal crônica, nem todos têm acesso a ela, devido à falta de recursos financeiros ou a limitações geográficas. Ao mesmo tempo, existem regiões do país onde a oferta do tratamento é maior que a demanda, o que pode afetar a sustentabilidade financeira desses serviços.
Por outro lado, tem-se a competição entre os diferentes prestadores da área de nefrologia. Com a entrada de novas empresas no mercado, bem como a concorrência entre elas, há uma pressão crescente sobre os custos das diálises. Isso pode levar à necessidade de reduzir os valores dos serviços e, consequentemente, a prejuízos na qualidade da assistência oferecida.
A tabela defasada de pagamentos e atrasos de pagamentos no Sistema Único de Saúde (SUS) também afetam as clínicas de TRS que prestam serviços públicos. Como solução para enfrentar isso, já existem regiões do país que se beneficiam do cofinanciamento junto aos governos estaduais. Esse recurso busca cobrir o déficit relacionado aos gastos dos tratamentos, que muitas vezes são repassados de forma insuficiente.
Programas como esse ajudam a evitar que instituições de diálise sejam fechadas, o que significaria deixar de atender pacientes que dependem da terapia para viver.
A análise do custo-efetividade das TRS
No Brasil, ainda existem lacunas relacionadas aos estudos de custo-efetividade das terapias renais substitutivas. A maior delas está relacionada à complexidade do processo de análise, intensificada principalmente pelos gastos que vão além daqueles diretos. Isso quer dizer que ainda é preciso considerar as despesas com a perda da capacidade laborativa do paciente, as complicações do tratamento e as comorbidades associadas, por exemplo. Também é levada em conta a variação dos modelos de sistemas de saúde, das práticas clínicas e dos recursos disponíveis em diferentes países e regiões, o que dificulta a realização do estudo.
Além disso, há uma falta de padronização na coleta e metodologia das análises de custo-efetividade, prejudicando a comparação e a generalização dos resultados. Uma revisão sistemática publicada em 2019 avaliou 125 artigos de todo o mundo, nos quais a maioria apresentou métodos de difícil reprodutibilidade e conceitos múltiplos. Dos estudos selecionados, 8 eram do Brasil, o que representa aproximadamente 6% das pesquisas.
Apesar disso, as análises de custo-efetividade são ferramentas essenciais para a gestão na saúde. Elas permitem a tomada de decisões embasadas e estratégicas, em meio a demandas crescentes e restrições orçamentárias do atual setor de diálise. Em relação às fontes pagadoras, esses estudos ajudam na projeção e alocação de recursos necessários para a prestação do tratamento adequado.
Para as operadoras de planos de saúde, a falta de informações precisas sobre custos e efetividade das TRS pode dificultar a negociação de preços justos com os prestadores de serviços, além de aumentar os custos gerais, o que impacta diretamente no valor das mensalidades pagas pelos usuários.
Para os pacientes, a deficiência de estudos sobre custo-efetividade pode ocasionar um tratamento inadequado ou menos efetivo, além de aumentar o tempo necessário para a obtenção de uma terapia e comprometer a qualidade de vida.
As expectativas para o mercado de nefrologia no futuro
O número de pacientes que precisam de terapia renal substitutiva cresceu mais de 100% nos últimos dez anos, segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN). Dessa forma, uma política de saúde focada em incentivar e ampliar os centros de diálise é fundamental para o sucesso dos tratamentos no presente e no futuro.
A maioria dos centros no Brasil são de instituições privadas e, em menor quantidade, filantrópicos e públicos. Caso não haja melhoria dos incentivos, o fechamento das instituições pode levar ao caos na prestação de serviços aos pacientes renais crônicos.
Por outro lado, o avanço das tecnologias e das pesquisas representam uma esperança para esse público. Para o nefrologista Dr. Tiago Lemos, membro da Sociedade Americana de Nefrologia (FASN, na sigla em inglês) uma das grandes novidades recentes é a descoberta dos benefícios dos inibidores da SGLT2. Esse grupo de medicamentos mostrou uma redução relevante na velocidade de progressão da doença renal crônica em pacientes diabéticos e que perdem proteína na urina.
A criação de dispositivos portáteis para medir a função renal também promete mudar o cenário da nefrologia. Equipamentos como o medidor de creatinina permitem que os pacientes monitorem regularmente sua função renal em casa, o que contribui para um diagnóstico precoce e tratamentos mais efetivos.
Ademais, novos métodos de hemodiálise estão sendo oferecidos no Brasil, como a hemodiafiltração. Conectadas à distância com prontuários eletrônicos, as máquinas de última geração já permitem que o médico tenha acesso a todos os dados do tratamento, em tempo real, durante a sessão dos pacientes. De maneira semelhante, na diálise peritoneal, feita em domicílio, é possível enviar as informações para uma plataforma médica, que é acessada pela equipe de saúde.
A terapia celular e a terapia genética também têm o potencial de revolucionar o mercado de TRS, oferecendo novas opções de tratamento que podem ajudar a regenerar o tecido renal danificado e restaurar a função dos rins.
💬 Agora, queremos saber de você: qual é a sua expectativa para o futuro do mercado de nefrologia? Deixe o seu comentário nesta publicação!
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O time de comunicação da Pharma e-Connection agradece aos profissionais entrevistados para a produção deste material:
🔹 Dr. Tiago Lemos Cerqueira, médico nefrologista, membro da Sociedade Americana de Nefrologia (FASN) e coordenador de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde do Hospital Evangélico de Belo Horizonte (HE).
🔹 Cristina Ferreira – graduada em Administração de Empresas e gestora das unidades de nefrologia de Venda Nova, Contorno e Contagem do Hospital Evangélico de Belo Horizonte (HE). Atua na área de Nefrologia há mais de 15 anos.
🔹 Dr. Bruno Zawadzki – médico nefrologista, diretor médico nacional do programa de cuidado Nefrologia D’Or e diretor de soluções educacionais da IBKL.
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